Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto icupira e Marcel Telles


JORGE & CIA. A trajetória da trinca de ases liderada por Jorge Paulo Lemann que, há 15 anos, pagou US$ 60 milhões pela Brahma e agora embolsa US$ 4,1 bilhões com a venda do negócio

Há pouco mais de trinta anos, Jorge Paulo Lemann estava quebrado. Sua corretora de valores havia sucumbido diante de uma queda violentíssima na bolsa de valores, e o desastre só não foi maior porque um amigo do pai de Lemann, Ricardo Haegler, emprestou-lhe algum dinheiro. Fora do universo das finanças pouco se falou da derrocada daquela pequena corretora baseada no Rio de Janeiro. Nas (CARLOS ALBERTO SICUPIRA na foto)

duas últimas semanas, porém, o nome de Lemann circulou com destaque nos principais jornais de todo o mundo. Primeiro apareceu na famosa lista de bilionários da revista americana Forbes, aquela que aponta Bill Gates como o homem mais rico do planeta. A fortuna do brasileiro foi calculada em US$ 1,1 bilhão. Dias depois, Lemann voltou a ser centro de atenções, quando a Ambev, a gigante brasileira controlada por ele, anunciou a união com a belga Interbrew, formando a maior cervejaria do mundo. O negócio tornou Lemann ainda mais rico – embora isso faça pouca diferença para um sujeito que já tem mais de US$ 1 bilhão. Serviu também para reforçar as lendas em torno do mais arrojado, enigmático e polêmico empresário já surgido no Brasil. Lemann é o homem dos negócios considerados improváveis e até impossíveis. Quem, antes de julho de 1999, poderia imaginar um casamento entre duas inimigas mortais, como a Brahma e a Antarctica? Lemann imaginou e o concretizou. Quem ousaria apostar que um consórcio formado por quatro empresários brasileiros superaria grandes grupos internacionais e ficaria com a Telemar, num dos mais rumorosos e escandalosos capítulos da privatização das telecomunicações? Lemann apostou, e mais uma vez levou.


Assim, Lemann e seus dois inseparáveis companheiros, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, montaram um portifólio de participações acionárias em mais de 30 empresas, no qual aparecem nomes consagrados como Lojas Americanas, Telemar, Ambev, Submarino, Cemar, entre outras. Pode parecer uma salada de negócios e setores, fruto da ausência de foco de seus investidores. Engano. O que une atividades tão diversas é um mandamento que Lemann e Cia seguem com a determinação de um muçulmano. Juntos, eles compram empresas em dificuldades ou estagnadas, recuperam suas finanças e elevam seu valor para, em seguida, vendê-las por um preço muito maior do que a adquiriram.

(Marcel Telles)

A Ambev é o exemplo perfeito dessa estratégia. Em 1989, os três adquiriram a Brahma por US$ 60 milhões. Quinze anos depois, na madrugada da quarta-feira 3, aqueles US$ 60 milhões haviam se multiplicado por 70. Viraram US$ 4,1 bilhões, quando se consumou a troca de ações com a Interbrew. Isso significa que os investimentos de Lemann, Telles e Sicupira na área de cervejas renderam nada menos que 32% ao ano, em dólar, desde a entrada na Brahma. É algo extraordinário, sob qualquer parâmetro. O megainvestidor Warren Buffet, ídolo declarado de Lemann, é tido como um dos mais eficientes gestores de recursos do mundo porque consegue manter uma carteira que, há duas décadas, rende cerca de 20% ao ano, na sua empresa Berkshire Hathaway. O discípulo Lemann superou, de longe, o mestre. “Lemann é um líder nato, que tem uma visão estratégica inigualável”, disse à DINHEIRO Luiz Cezar Fernandes, ex-sócio do Banco Pactual. “Prova disso é o que ele conseguiu na área de cervejas”.

A trajetória de sucesso de Lemann no mercado financeiro começou em 1971, quando ele e outros cinco sócios fundaram o Banco Garantia. Seus parceiros iniciais eram Luiz Cezar Fernandes, que depois criou o Pactual, Guilherme Arinos, pai do ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco, Ercias Luterbach, Adolfo Gentil e José Carlos Ramos da Silva. Todos se conheciam dos pregões. Um ano depois, Lemann pediu a Luiz Cezar que fizesse um estágio no banco de investimentos Goldman Sachs, uma das principais casas de Wall Street. Luiz Cezar não sabia falar inglês e levou a tiracolo um garoto, que era um estagiário da casa. Seu nome: Marcel Telles. Beto Sicupira juntou-se ao grupo anos depois, quando Lemann adquiriu as Lojas Americanas. Nunca mais se separaram. Em comum entre eles, há um espírito permanente de competição e um apetite voraz pelo risco. O trio também divide uma série de hábitos que ajudou a criar em torno deles a mística que os acompanha até hoje. Os três aboliram a gravata de seu guarda-roupas profissional. Vestem-se informalmente e seguem dietas alimentares espartanas, o que explica o corpo esguio e seco de músculos. A atividade física faz parte de seu dia-a-dia. Lemann é fanático por tênis e na juventude chegou ao profissionalismo e disputou a Copa Davis pelo Brasil e pela Suiça. O pavor à exposição também os une. Lemann, Telles e Sicupira fogem dos holofotes como morcegos diante do menor sinal de luz. Todos também passam a maior parte de seu tempo fora do Brasil. Lemann escolheu Genebra, na Suíça, terra de seu pai, para fixar residência. Telles elegeu Mônaco, enquanto Sicupira preferiu Paris.

Donos de opiniões fortes, os três nem sempre vivem em clima de harmonia. O momento mais crítico ocorreu em 1997, em plena crise asiática. O três sócios, que sempre apostavam em tacadas de altíssimo risco (e, portanto, mais rentáveis) erraram a mão com papéis da dívida brasileira e tiveram de vender o Garantia para o Credit Suisse First Boston. Ganharam US$ 675 milhões na transação. Além de fissuras na relação entre eles, cicatrizadas nos anos seguintes, a derrapagem expôs um lado desconhecido da sociedade: o fracasso retumbante em alguns negócios. No setor têxtil, por exemplo, eles adquiriram a Artex, uma empresa com marca forte e resultados fracos, por US$ 10 milhões. Fizeram três chamadas de capital, venderam-na para a Coteminas, do atual vice-presidente da República, José Alencar, e mesmo assim não recuperaram o investimento. Por conta desse negócio, entraram em uma briga judicial com Alencar. Perderam em primeira instância e desistiram da ação quando o empresário assumiu a vice-presidência. Também se deram mal em investimentos na área de lazer, com o parque Hopi Hari, e no varejo com o Supermercados ABC, vendido por simbólicos R$ 1 mil, depois de geraram dívidas de R$ 50 milhões.

Com o passar dos anos, já bilionário, Lemann passou a investir maciçamente numa das empresas que ele mais admira: a Gilette. Hoje, ele é o segundo maior acionista da companhia, atrás apenas de Warren Buffet, de quem se tornou grande amigo. Tem uma cadeira no conselho de administração. Com um fortuna superior a US$ 2 bilhões, ele é também membro do conselho da Bolsa de Valores de Nova York. Qual a próxima tacada de Lemann & Cia? Muitos apostam que logo eles venderão sua participação na Interbrew por um preço maior do que compraram. “Aposto dez contra um que nenhum deles irá vender as ações da Interbrew”, diz Luiz Cezar Fernandes. “Vão ficar lá até morrer”.

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